domingo, abril 09, 2006

Cada vez mais viciados, cada vez mais inteligentes

Como primeiro post deste blog, um artigo que me levou a criar o mesmo.... contrário a tudo aquilo que se vai lendo, mais tarde expressarei aqui as minhas opiniões.
In DN:

Cada vez mais viciados, cada vez mais inteligentes

Sofia Jesus / Leonardo Negrão

Atravessar túneis para apanhar as armas, cruzar o asfalto a alta velocidade ou iniciar a construção de uma rede de metro numa cidade - sem sair da frente do computador. À partida estes cenários podem parecer simples fragmentos do mundo virtual. Daqueles odiados por muitos pais, por manter as crianças horas a fio agarradas ao ecrã. Mas Steven Johnson tem uma tese diferente: os videojogos - assim como a Internet e alguns programas televisivos - "estão a tornar-nos mais inteligentes". Será mesmo assim?

O argumento de que "a cultura popular não literária tem-se tornado mais estimulante ao longo dos últimos 30 anos" é defendido por este crítico cultural no seu último livro: Tudo o Que É Mau Faz Bem: como os Jogos de Vídeo, a TV e a Internet nos Estão a Tornar mais Inteligentes.

Na obra, agora lançada em Portugal pela Lua de Papel - chancela da Asa -, o autor argumenta que os videojogos estão cada vez mais complexos, desafiando diferentes competências mentais - atenção, memória ou tomada de decisões.

Para Steven Johnson, um especialista em questões ligadas às novas tecnologias e considerado pela revista Newsweek uma das 50 personagens mais influentes da Internet, jogos como Civilization, Sims ou até o violento Grand Theft Auto estimulam o nosso cérebro. Quase como a álgebra ou o xadrez, defende.

E se quem olha por cima do ombro dos pequenos jogadores não percebe onde está o benefício de disparar contra inimigos virtuais ou simular a construção de um império, Steven Johnson explica que a vantagem está justamente nas escolhas que o jogo obriga a fazer: "Avaliar os dados, analisar as situações, rever os objectivos a longo prazo e decidir."

Aumento do QI

Socorrendo-se de vários estudos - como os de James Paul Gee ou Daphne Bavelier -, o professor universitário vai mais longe no seu livro: "Quando os jogadores interagem com esses meios, estão a aprender o procedimento básico do método científico." O mundo criado pelo computador, diz Steven Johnson, "é um mundo com biologia, luz, economia, relações sociais, estado do tempo". E, defende o autor, é a "física do mundo virtual" que domina, quando factores como massa ou velocidade o forçam a pegar no lança-foguetes por ser o único com alcance.

Steven Johnson estabelece ainda uma relação entre o aumento do QI dos americanos nas últimas décadas e os novos estímulos tecnológicos. Um argumento que não convence o neuropediatra José Pedro Vieira: "O QI das crianças aumentou cerca de dez pontos nos últimos anos", diz, mas frisa que a co-relação não está provada. O facto de uma criança ser capaz de programar um vídeo, por exemplo, tem mais a ver com o ter sido exposta a essa tecnologia desde cedo do que à inteligência.

que uma criança há 30 anos."

Método Científico

Jorge Rosa, da Universidade Nova de Lisboa, concorda com a tese de Steven Johnson sobre os efeitos dos videojogos - "não sei se nos tornam mais inteligentes, mas podem tornar-nos mais capacitados para enfrentar a o mundo tecnológico".

Para o professor universitário na área das tecnologias, os jogos mais complexos, como Civilization ou Sims, "permitem aprender um conjunto de variáveis que nos aproximam do método científico". E até o efeito "maléfico" de jogos como o GTA não se pode generalizar, embora deva haver supervisão. "Não se sabe o suficiente" sobre os efeitos dos videojogos em geral, diz, mas "o que se sabe é suficiente para dizer aos pais: estejam descansados."

'Tetris' nos alunos nacionais

Patrícia Arriaga, psicóloga da Universidade Lusófona, fez um estudo em 2001 com o objectivo de estudar os benefícios dos videojogos nas crianças. Para isso, analisou dois grupos de 30 alunos do 3.º ciclo.

Um jogou Tetris na escola durante três semanas, outro, não. Antes e depois do período experimental os miúdos realizaram provas para avaliar as suas aptidões perceptivas e espaciais. Resultado: as crianças que jogaram Tetris "melhoraram os seus desempenhos de modo significativo" entre os dois testes - o que, escreve a autora, "sugere que a prática com um jogo de computador pode ter uma influência positiva no desenvolvimento das relações espaciais". Mas, ressalva, apenas nestas.

Neurologistas cépticos

E a tese de Steven Johnson é vista com preocupação e reserva por mais especialistas nacionais. Alcino Silva, neurologista português dedicado ao estudo da memória na University of California, Los Angeles (UCLA), admite que "mais informação estimula o cérebro, fazendo as células desenvolverem-se". "Estudos em animais mostram que quanto mais rico o ambiente, maior a capacidade de resolver problemas". Mas se diz ser "razoável pensar que os videojogos possam ter efeitos positivos nas funções cognitivas", mostra-se preocupado com a tese e os efeitos perversos, como a adição ou o isolamento (ver pág. 4).

Para José Pedro Vieira, "está provado que o treino intensivo das funções motoras e cognitivas pode produzir melhores resultados". Desde que a tarefa seja adequada à idade, para não ser demasiado complexa - porque o excesso de estímulos pode ser prejudicial. Mas os estudos neurológicos são "demasiado escassos" para permitir conclusões. Até porque "a activação de uns centímetros quadrados do cérebro não é um bem em si mesmo". E, insiste, não faltam pesquisas a contradizer Johnson.

Estarão os pais a criar uma geração de 'teletolinhos'?

Sofia Jesus

O problema da dependência

'Monopólio high tec'
Os miúdos de hoje podem saber ligar o PC aos três anos ou mesmo sugerir a redução dos impostos de uma fábrica, para facilitar o desenvolvimento de uma cidade virtual, aos sete. Mas enquanto o fazem não jogam à bola na praceta nem lêem um livro. E o efeito no cérebro, por mais estimulante que seja, pode ser viciante. Daí que especialistas portugueses, ouvidos pelo DN, alertem para o risco de isolamento e recomendem cautela. Como diz José Morgado, os ecrãs não se podem tornar "babysitters do País".

No cenário do mundo contemporâneo não faltam exemplos desta nova adicção: desde o miúdo que passa o fim-de-semana na casa de campo agarrado ao gameboy, ao adolescente que no dia-a--dia quase só faz pausas para jantar (ver texto ao lado).
Alcino Vieira, neurologista português a trabalhar nos EUA, explica que há dados - embora não conclusivos - que indicam que "os videojogos podem ser viciantes, activando zonas do cérebro que habitualmente só estariam activas em pessoas com dependências". E há estudos que sugerem que, como todas as adições, "os jogos electrónicos podem absorver os indivíduos, adultos e crianças, ao ponto de eles negligenciarem outras aspectos saudáveis da sua vida".

E a interacção social fica em risco. Segundo o neuropediatra José Pedro Vieira, do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, o modelo de interacção patente numa experiência de videojogo, mesmo que online, "é muito diferente da vida real": conversar pessoalmente "é muito mais complexo" - e faz mais pela aprendizagem. O problema é o tempo reservado a cada actividade. E, no caso dos menores, é aqui que entram os pais.
José Morgado trabalha com muitos pais na Unidade de Investigação em Psicologia Cognitiva do Desenvolvimento e da Educação. Recusa-se a entrar no "discurso catastrofista" e apela ao fim do "pré-conceito que diaboliza os jogos electrónicos". No fundo, brinca, jogos como Age of Empire ou Sims são uma "substituição high-tec do Monopólio" da sua geração.

Um "certo tipo de videojogos é estimulante e por isso de uso socilamente positivo e vantajoso". Mas a questão não é assim tão simples.

O que acontece, explica, é que os pais ficam "descansados" quando o filho está a jogar - "enquanto está em casa não faz asneiras lá fora". E "os estudos indicam que os miúdos chegam a estar quatro horas diárias entregues a um ecrã".

Para o professor do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) "não é fácil ser-se pai hoje em dia", com factores como a falta de tempo, a pressão do emprego ou a angústia das deslocações nos meios urbanos a tornar mais difícil "dar educação entre a novela e o jantar". Mas apela ao esforço: "Não queremos uma geração de teletolinhos."

E a tarefa não pode ser simples. Não adianta proibir por proibir, avisa o investigador. Os pais têm que ter um papel activo, ensinar os filhos a tomar decisões. "Os jogos não têm que sair da vida dos miúdos, não podem é tornar-se a vida deles..."

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